MOsquiTIM de ANÁLISE – Qual é a graça em fazer psicanálise?

MOsquiTIM de ANÁLISE – Qual é a graça em fazer psicanálise?

Esta é uma série de ensaios sobre encontros psicanalíticos e suas possibilidades. É escrito por Tiago Santa Cruz de Andrade, psicólogo de orientação psicanalítica.

Antes, um alerta. Você está diante de um conteúdo panfletário. Este texto é um convite à experiência de atendimentos orientados pela psicanálise, feito por meio de um relato apaixonado (no sentido de que as paixões estão reconhecidamente presentes e narradas). Paixão desperta diante do que se acha belo, por exemplo. E tantas outras. Tenha isto em vista ao ler.

A psicanálise é uma ciência (sim, é ciência) que desde seu início com Freud, há mais de um século, investiga os fenômenos psíquicos por meio da clínica, do encontro entre analistas e analisandas(os). Enveredou-se na compreensão de outros fenômenos humanos, como os fenômenos de grupo, de grandes grupos (as massas), instituições… Mas se iniciou na clínica. De onde nunca saiu. Há mais de 100 anos há uma comunidade pensando, teorizando, ensinando, analisando, sendo analisada, enfim, experimentando e construindo a clínica psicanalítica.

A psicanálise é uma vivência. É algo que não é possível acessar apenas racionalmente, pelo que se lê e se ouve falar. Esta vivência só ocorre num encontro em que estará você e a(o) analista, no mínimo. Podem estar no encontro outras pessoas reais, no caso de uma análise de grupo. Com certeza estará sua história, seus cuidadores, amigas(os), amores, a perda, a falta, você velhinha(o), você ontem depois de uma situação triste, você hoje fazendo uma descoberta feliz, você criança, bebezinha(o). E tem que estar. Ali deve caber sua presença, tudo o que lhe constitui, da forma que for, como for possível.

A psicanálise serve à existência. Permite que o silenciado seja dito, repetido, reconhecido. Silenciado este que é uma parte de você, provavelmente parte essencial e que já se manifesta de alguma forma. “Não acredito que fiz isso de novo?!”, “por que fico tão brava(o)?”, “Por que tenho tanto medo?”, “Por que não consigo?”, “não quero mais viver”,”não sei por que me sinto assim”, “acho que não vou suportar”, “que vergonha”…Talvez você se identificou com algumas destas indagações ou lembrou-se de outras que lhe fazem mais sentido. Essas suas questões não são o fim, o irresoluto, mas, o começo de um trabalho de construção de conhecimento sobre si valoroso. Traz a tona um pedaço perdido de você e lhe dá o direito a um outro modo de estar no mundo. Mais sincero.

A psicanálise permite a discência. Aprender. Em todos os aspectos possíveis do termo. É uma tremenda estimulação cognitiva, favorece processos de pensamento mais complexos, o pensamento lógico, e ilógico também, livre, criativo. Nos ajuda a aprimorar nossas habilidades sociais, nossa comunicação, nossa capacidade de negociar – o desejo com a realidade, por exemplo – sem tantas travas, exageros ou falta de clareza.

Aprimora também nossa capacidade de perder, de se frustrar, de forma menos destrutiva ou desavisada. Aprendemos a suportar o que é necessário para amadurecer. Mas, haverá sempre aquele momento em que você se perceberá pensando algo do tipo: “Nossa, falar e entender isto foi difícil, aprender o que fazer com isto foi custoso, mas estou satisfeita(o)”. Sem exclamação, uma constatação calma. Quem escreve isso é alguém que está aprendendo sobre si em análise há bons anos. Com uma confiança, já descrita por Contardo Caligaris, daquele que tem a certeza de que a psicanálise já funciona pelo menos pra uma pessoa. Minha pessoa.

A psicanálise é mais. Não há limite à sua abrangência porque é viva. Fez e faz parte da vida de milhões de pessoas que a enriquecem, que a apresenta a tantas outras pessoas de alguma forma. É mais, porém não mais que as outras ciências, crenças, outros modos de ser no mundo. É fundamental que o diferente, na psicanálise, possa aparecer. Coabitar.

Poder se expressar livremente, ter suas necessidades de escuta atendidas, depende disto. Fique tranquila(o), caso ocorra algum receio em falar o que vem a cabeça, sabendo que alguém que se propõe a te acompanhar em um processo psicanalítico é fortemente encorajada(o) – e treinada(o) – a compreender a necessidade de coabitar com outras crenças, culturas, etnias, identidades, existências diversas. Se isto não ocorre, não é um atendimento psicanalítico.

Enfim, a graça está mais ou menos por aí.

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Tiago S. C. de Andrade
Atendimento a adolescentes, adultos e grupos. Atendimento presencial, on-line e como Acompanhante Teraupêtico (AT).