Problemas de comportamento na infância, e agora?

Problemas de comportamento na infância, e agora?

Todos os dias milhões de pais e mães se questionam o que fazer com o comportamento inadequado de seus filhos e geralmente se perguntam se eles mesmo são os culpados. Se você vive essa realidade, esse texto foi pensado em você.

O que é o comportamento?

No século XXI após muitos anos de desenvolvimento científico os estudiosos têm postulado o comportamento como resultado de múltiplas interações: entre cérebro em desenvolvimento, experiências de vida, relacionamentos, ambiente físico e emocional que nos rodeia, e fatores biológicos. Ou seja, nossas atitudes não são geradas por um único fator, mas sim por uma gama complexa de fatores internos e externos aos indivíduos. Um comportamento inadequado ou sintomático não é aleatório nem simplesmente intencional, mas sim uma resposta adaptativa (ou desadaptativa) a sobrecargas ou lacunas de desenvolvimento.

Para chegarmos até essa conclusão muitos anos de estudo se passaram e cada cientista colocou um bloco nessa construção.

Qual é o papel da família?

Dentre os fatores externos, a família exerce enorme influência no comportamento da criança. A ciência classifica os estilos parentais em quatro tipos, a partir de dois eixos:

Eixo horizontal – Exigência/Limites: baixo a alto controle
Eixo vertical – Responsividade/Afetividade: baixo a alto afeto

A combinação desses eixos forma quatro estilos parentais:

Pais equilibrados = Exigência e Responsividade altas
Pais autoritários = Exigência alta e a Responsividade baixa
Pais permissivos = Exigência Baixa e responsividade alta
Pais negligentes = Exigência Baixa e responsividade baixa

O estilo parental equilibrado favorece o desenvolvimento de apego seguro (confiança na presença e proteção dos pais) e estabilidade emocional (capacidade de manter equilíbrio emocional e recuperar-se após frustrações). Os pais precisam dar estabilidade externa para que a criança tenha estabilidade interna.

Porém, sabemos que muitas famílias enfrentam desafios: separações, conflitos, instabilidade emocional, falta de coesão familiar — tudo isso abala o vínculo e interfere na formação emocional da criança.

Práticas da parentalidade

Pais e cuidadores podem adotar:

Práticas negativas: negligência, disciplina inconsistente, ausência de consequências, falha em acompanhar e orientar;
Práticas positivas: afeto contínuo e seguro, monitoramento adequado, regras claras, diálogo de qualidade.

Além disso, as crianças aprendem principalmente pelo modelo que observam nos adultos.

Existem outros fatores externos que influenciam nossos filhos. Para ampliar seu conhecimento nesse aspecto leia como os Fatores ambientais que influenciam seu filho.

Mau comportamento e falta de educação

Quando uma criança se comporta mal, é muito comum escutarmos:
“Ela é mal-educada”,
“Isso é falta de limites”,
“Os pais não sabem educar”.

Essa forma de pensar está enraizada em nossa cultura e se baseia no raciocínio de que todo comportamento é aprendido ou copiado no ambiente em que nos rodeia. Ou seja, se a criança age mal, a culpa é dos adultos que não ensinaram direito — ou que “passam a mão na cabeça”.

De fato, o ambiente influencia MUITO o comportamento. E, sim, os psicólogos comportamentais têm razão ao afirmar que comportamentos se mantêm quando trazem algum tipo de “recompensa”. Por exemplo: uma criança que faz birra e ganha atenção pode entender que essa é sua forma de se conectar com os adultos — especialmente se vive com pais ausentes ou sobrecarregados.

Mesmo que o comportamento difícil traga algum ganho imediato (atenção, alívio, escape de tarefas), ele também costuma gerar sofrimento. Com o tempo, essa criança passa a ser evitada pelos colegas, rotulada como “difícil” pela família e pelos professores, recebe apelidos, críticas constantes e se torna, aos olhos dos outros, “o problema da casa”.

Vamos pensar com lógica:
Quem escolheria, de propósito, ser excluído, chamado de chato ou perder afeto e confiança dos adultos?

Os fatores internos são relevantes

Não é difícil deduzir que a genética e o temperamento influenciam a criança. E o seu funcionamento cerebral? Será que já pensamos sobre ele?

O Cérebro é a orquestra do nosso comportamento e dentro dele existe um pedaço estratégico chamado Lobo Pré-frontal. Ele é o maestro da orquestra e é o grande gestor do nosso comportamento. Durante o nosso desenvolvimento vamos adquirido um conjunto de HABILIDADES que nos ajudam a gerenciar nosso comportamento regulando nossas emoções e pensamentos. O Lobo Pré-frontal organiza, planeja, freia impulsos, ajuda a mudar de estratégia e a lidar com frustrações graças a essas HABILIDADES.

Mas tem um detalhe muito importante:
O córtex pré-frontal se desenvolve lentamente, e só amadurece completamente por volta dos 23 anos de idade. Esperar que uma criança reaja com autocontrole, paciência e flexibilidade, como os adultos deveriam fazer, é biologicamente incoerente. E sabemos bem que há muitos adultos que carecem de desenvolver essas habilidades.

A explicação mais profunda

Muitas vezes, o comportamento difícil não é uma escolha, mas o resultado de HABILIDADES que ainda não estão desenvolvidas. Essa ideia foi postulada por Ross Greene em seu livro “Explosive Child” (criança explosiva). Se o seu filho não está se comportando bem e você está fazendo todo o seu possível, provavelmente é porque ele não sabe se comportar melhor, senão o faria!

Todo professor sabe que a maioria das crianças em uma mesma turma irá apresentar dificuldades e facilidades semelhantes pois estão no mesmo momento do
neurodesenvolvimento. Algumas crianças, porém, amadurecem em um ritmo mais lento e fatores como genética, biologia, transtornos mentais, experiências de vida, ambiente familiar, traumas, cultura e escola podem acelerar ou atrasar esse desenvolvimento.

É por isso que, em alguns casos, uma criança de 7 anos pode reagir a um conflito como se tivesse 4 — e isso pode não ser birra ou falta de educação — é falta de habilidades que ainda não se consolidaram.

Essas lacunas de desenvolvimento podem ser passageiras ou mais persistentes, como em casos de TDAH, autismo, transtornos de aprendizagem ou contextos de trauma e violência.

E o que ela precisa? De adultos que entendam esse processo e ajudem a construir essas habilidades, em vez de apenas punir por aquilo que ainda não sabe fazer. São elas: Flexibilidade cognitiva; Adaptabilidade; Tolerância à frustração; Regulação emocional e Resolução de problemas.

Crianças explosivas

Crianças com importante atraso no amadurecimento dessas habilidades são geralmente rotuladas como “difíceis”, “desafiadoras”, “opositoras” ou “malcriadas”, pois seu comportamento é caracterizado por baixa tolerância a frustrações, explosões frequentes e intensas e dificuldade de adaptação.

Nesses casos, os modelos disciplinares clássicos (recompensa, punição, reforço) falham porque assumem que a criança já tem as habilidades necessárias e que o problema é falta de motivação ou vontade.

Isso leva os adultos a usar:

  • Castigos (retirada de privilégios, gritos, ameaças);
  • Recompensas (elogios, prêmios por bom comportamento);
  • Regras inflexíveis com foco em obediência.

Falta de habilidades versus falta de educação

Isso ocorre porque pensamos que o problema é falta de educação e respondemos com mais rigidez.

“Essas crianças não são difíceis por escolha. Elas têm uma dificuldade legítima em lidar com exigências do ambiente para as quais ainda não desenvolveram habilidades suficientes.”

Histórias da vida real

Quero compartilhar dois exemplos pessoais que ilustram como a mudança de olhar sobre o comportamento da criança pode transformar completamente a relação familiar.

Meu filho e a alfabetização

Em 2023, passamos por um período muito difícil em casa. Meu filho estava iniciando a fase da alfabetização e tudo era um suplício: ele chorava para fazer as tarefas, reclamava de tudo e parecia estar me desafiando. A sensação que eu tinha era de que ele estava “tirando com a minha cara”.

Em um determinado momento percebi que ele estava com dificuldades para aprender a ler, por isso evitava estudar e fazer as tarefas, para ele era muito difícil e cansativo. Procuramos uma fonoaudióloga que detectou quais eram as habilidades em falta e passou a desenvolvê-las com ele, ajustamos nosso olhar e começamos a trabalhar com muito mais paciência. Passamos também a valorizar cada avanço com muitos elogios.

Com o tempo, a tarefa deixou de ser uma batalha e passou a ser uma construção compartilhada. Ele ficou menos frustrado, e nós também.

Os terríveis dois anos

Outro momento marcante foi quando meu filho tinha dois anos. Ele se opunha a tudo, me desafiava abertamente e parecia não responder a nenhum castigo. Usei a famosa “cadeira do pensamento”, fui firme e consistente… e nada funcionava. Eu me sentia derrotada e distante emocionalmente dele.

Na terapia, desabafei dizendo: “Esse menino é um tirano.” E minha psicóloga me respondeu:

“Se você olhar pra ele dessa forma, é desse lugar que ele vai te responder.”

Aquilo me tocou profundamente. Percebi que minha rigidez estava gerando mais oposição. Comecei a flexibilizar, usar outras formas de comunicação — como dar opções simples “Você quer tomar banho com o patinho ou com o carrinho?”. E aos poucos, a guerra acabou.

Por que a fase dos terríveis 2 anos acontece?

Nesse momento a criança se desenvolve rapidamente e começa a entender que é um indivíduo separado do seu pai e tem vontades diferentes dele, porém ela ainda não desenvolveu outras habilidades cognitivas que lhe diriam que não adianta ficar desafiando o seu pai o tempo todo pois ficará tanto tempo de castigo que não sobrará tempo para brincar.

A falta de habilidades do meu filho estava confrontando a minha exigência de cumprimento das normas e isso não estava funcionando. A solução foi me comunicar de outra forma e flexibilizar.

Os métodos tradicionais de educação podem não funcionar

Focar constantemente nos métodos tradicionais para controlar o comportamento do seu filho quando ele ainda não tem habilidades para te entregar um comportamento melhor faz com que você fique frustrado, estressado, pode gerar baixa autoestima, hostilidade e pode levar ao rompimento do relacionamento com você ou outros adultos.

Existe um padrão recorrente:

  1. A criança age de forma explosiva.
  2. O adulto responde com castigo ou ameaça.
  3. A criança se desorganiza ainda mais.
  4. O adulto endurece.

Mude o foco:

“Como posso punir esse comportamento?” para “O que está por trás desse comportamento?”

Com empatia, escuta e ferramentas adequadas, é possível ajudar seu filho a se desenvolver melhor e restaurar a paz em casa.

O comportamento inadequado é sinal de dificuldade (e não de desafio à autoridade). Ele é o sintoma visível de um problema mais profundo. Não é falha de caráter.

Cada episódio explosivo é uma janela de oportunidade diagnóstica.

Habilidades em falta

Ross Greene listou uma série de dificuldades específicas que as crianças explosivas podem ter:

  1. Dificuldade em manter o foco;
  2. Dificuldade de fazer transições entre uma tarefa e outra tarefa;
  3. Dificuldade de considerar e imaginar as consequências futuras de uma ação (impulsividade);
  4. Dificuldade em persistir em tarefas entediantes ou mentalmente desafiadoras;
  5. Dificuldade perceber que há uma gama de possíveis soluções para o mesmo problema;
  6. Dificuldade em expressar preocupações, necessidades ou pensamentos;
  7. Dificuldade em pensar racionalmente e manejar emoções frente à frustração;
  8. Dificuldade sensoriais e/ou motoras;
  9. Dificuldade de enxergar a “zona cinzenta”, ou seja, sair do pensamento concreto, literal e preto no branco;
  10. Dificuldade em levar em consideração fatores situacionais que sugerem o ajuste de planos ou ações;
  11. Inflexibilidade, interpretações enviesadas e sem acurácia, distorções cognitivas por ex: ninguém me ama, eu não faço nada certo;
  12. Dificuldade para interpretar pistas sociais e nuances sociais;
  13. Dificuldade de mudar de ideia, plano ou solução original para outra possibilidade;
  14. Dificuldade em perceber como seu comportamento está afetando as demais pessoas;
  15. Dificuldade para começar conversas, entrar em grupos, conectar-se com outras pessoas ou outras habilidades sociais básicas;
  16. Dificuldade de empatizar-se com outras pessoas e ouvir outros pontos de vista;
  17. Dificuldade para lidar com imprevisibilidade e ambiguidade, incerteza, novidade.

Essas dificuldades são as gêneses dos problemas de comportamento e precisam ser ENSINADAS, punir não resolve nada.

Maneiras de lidar com os problemas de comportamento

Segundo o modelo do Dr. Greene, existem três maneiras principais de lidar com um problema com a criança:

Plano A – Imposição unidirecional

O adulto impõe a solução, com autoridade por ex.: “Você vai agora para o banho, ou ficará de castigo.” Problema: com crianças explosivas, isso costuma gerar escalada de conflitos. Precisa ser usado em situações de “vida ou morte”. É dessa forma que a maioria dos pais age.

Plano B – Solução colaborativa e proativa

Adulto e criança conversam e resolvem o problema juntos. Envolve empatia, escuta e construção conjunta de soluções. É o plano mais recomendado para crianças explosivas.

Plano C – Retirada temporária da expectativa

O adulto abre mão momentaneamente da demanda, para reduzir o conflito. Não é uma solução permanente, mas útil para desescalar situações. Ex.: “Hoje não vou insistir no banho, depois voltamos a falar disso.”

Para aprofundar seus conhecimentos sobre o Plano B, abra o texto: COMO RESOLVER CONFLITOS COM O SEU FILHO.

Entender que o mau comportamento pode ser sinal de imaturidade e não de má vontade muda tudo. Quando mudamos o olhar, abrimos espaço para a empatia, diálogo e crescimento mútuo. Nenhuma criança quer errar o tempo todo. Por trás de cada crise, há um pedido de ajuda disfarçado — e é no adulto que ela confia para aprender a fazer diferente.

Com paciência, vínculo e orientação, podemos ensinar o que ainda não foi aprendido. E juntos, reconstruir caminhos de conexão, desenvolvimento e paz no convívio familiar.

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Dra. Maressa Steiner
Atendimento de crianças, adolescentes e adultos. Não atende idosos. Atendimento online e presencial.